Em consonância com
as inúmeras teorias educacionais conhecidas e até mesmo com as normas da Base
Nacional Curricular Comum (BNCC), as rodas de conversa são consideradas de
extrema relevância na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Segundo o pensador Paulo Freire são momentos riquíssimos para nos
atentarmos a temas e/ou palavras geradoras, no entanto, nem sempre nós
educadoras e educadores estamos preparados para lidar com temáticas complexas,
porém cruciais para os nossos alunos, dessa forma, o que ocorre muitas vezes é
a tentativa desesperada (e inútil) de fugir de assunto dos quais achamos
difícil de explicar para crianças menores.
No início do ano letivo, por meio do projeto de literatura
"voar fora da asa" tive oportunidade de dialogar sem restrições
com as crianças do 3º ano do ensino fundamental, e dentre os temas polêmicos
estavam a morte.
Diante de relatos de experiências, medos, tristeza e até
mesmo fascínio, encontramos na literatura de Ziraldo uma forma de falar sobre o
tema com sensibilidade, solidariedade e seriedade.
No livro Menina
Nina: Duas razões para não chorar o autor utiliza a linguagem
verbal e não verbal para criar uma narrativa cheia de poeticidade e ao mesmo
tempo realista.
Nina é amada pela avó desde o primeiro momento, o autor
narra a chegada da primeira neta e as ações da avó diante da criança “E não quero me gabar, mas estive
reparando/no jeito que a Nina tem,/No jeito que a Nina olha,/ no jeito que ela
se move [...]” (ZIRALDO, 2012, p.11).
Ao decorrer da narrativa Nina e sua avó se tornam
confidentes, há uma admiração mutua, cumplicidade e amor “Menina nina amava vó
Vivi, que amava sua menina” (ZIRALDO, 2012, p. 4). No entanto, a avó de Nina
morre e a menina começa a questionar a vida, sem entender, sem aceitar que uma
pessoa tão importante na sua vida vá embora sem ao menos dizer adeus, em uma
linguagem simples e poética Ziraldo explica o que houve com a avó de Nina “Vovó
dormia para sempre” (ZIRALDO, 2012, p. 27).
A partir desta revelação, a menina questiona a vida, pois
amava sua avó, fazia planos de estar com ela e ser como ela, em um tom
acusatório Nina tenta entender a partida prematura de um ente querido.
“Vovó, você nunca
disse que queria ir embora assim, sem dizer adeus. Não era isso, vovó, que
estava combinado. Vovó, e suas promessas? Vovó, e nossas viagens? Vovó Vivi, e
as farras que a gente ia fazer? E a nossa parceria? Vovó, e os meus segredos?
Para onde você levou? E como é que eu vou crescer? Sem você me ver crescer?
Como vou andar no mundo onde você não está? Vovó, eu não posso mais abraçar as
suas pernas, não posso beijar seu rosto, não posso pegar sua mão... Vovó que
coisa difícil, Vovó Vivi, que aflição! (ZIRALDO, 2012, p. 28)
O
narrador onisciente sente a necessidade consolar Nina É como se ele precisasse
parar o enredo, entrar na história e acalentar o sofrimento daquela menina:
“Nina, você vai ter de entender, tem gente que é deste jeito: não gosta de
despedidas. Não chore, Nina, não chore. Ou melhor: chore bastante. A gente
afoga nas lágrimas a dor que não entendemos” (ZIRALDO, 2012, p. 31). Depois
deste trecho, há uma página em branco sem imagens e sem texto, como se fosse um
minuto de silêncio, o tempo da personagem e o leitor refletirem sobre a partida
da pessoa amada.
Então o narrador complementa; “MAS espere, Nina,
espere, porque há duas razões para você não chorar” (ZIRALDO, 2012, p. 33).
Em seguida, ele expõe as duas razões para não chorar:
“Se muito além desse sono que vovó está dormindo não
existe nada mais – como muita gente crê - não existe despertar, nem porto
destino ou luz; se tudo acabou de vez - acabou, completamente - pode ter
certeza, Nina, a vovó está em paz; não sabe nem saberá que está dormindo para
sempre (ZIRALDO, 2012, p. 35).
“SE, porém, depois desse sono intenso Vovó Vivi
despertar num outro mundo, feito de luz e de estrelas, veja, Nina, que
barato!!! Que lindo virar um anjo. Que lindo voar no espaço” (ZIRALDO, 2012, p.
37).
Há muitos pontos importantes na narrativa, o primeiro
é a poeticidade da prosa de Ziraldo, o segundo a relação entre imagem e texto,
as ilustrações são imprescindíveis na construção da personagem, além de se
tratar de uma obra de cunho biográfico, uma vez que, o autor relata de forma
sensível a morte da esposa e a reação de sua neta mais velha. Em nenhum momento
o autor fala a idade da avó, porém é perceptível que é uma mulher bem jovial,
contrariando o estereótipo de avó que permeia o imaginário, isto torna a
história de Nina ainda mais complexa, pois trata-se de uma morte inesperada,
não é uma pessoa muito velha ou muito doente e sim, alguém cheia de planos para
si e para sua neta.
Excelente obra!
Ilustrações: Alunos do 3º ano B.
Amei
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