terça-feira, 17 de setembro de 2019

A poeticidade e a temática da morte na narrativa Menina Nina de Ziraldo



Em consonância com as inúmeras teorias educacionais conhecidas e até mesmo com as normas da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), as rodas de conversa são consideradas de extrema relevância na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Segundo o pensador Paulo Freire são momentos riquíssimos para nos atentarmos a temas e/ou palavras geradoras, no entanto, nem sempre nós educadoras e educadores estamos preparados para lidar com temáticas complexas, porém cruciais para os nossos alunos, dessa forma, o que ocorre muitas vezes é a tentativa desesperada (e inútil) de fugir de assunto dos quais achamos difícil de explicar para crianças menores.

No início do ano letivo, por meio do projeto de literatura "voar fora da asa" tive oportunidade de dialogar sem restrições com as crianças do 3º ano do ensino fundamental, e dentre os temas polêmicos estavam a morte.

Diante de relatos de experiências, medos, tristeza e até mesmo fascínio, encontramos na literatura de Ziraldo uma forma de falar sobre o tema com sensibilidade, solidariedade e seriedade. 

No livro Menina Nina: Duas razões para não chorar o autor utiliza a linguagem verbal e não verbal para criar uma narrativa cheia de poeticidade e ao mesmo tempo realista. 

Nina é amada pela avó desde o primeiro momento, o autor narra a chegada da primeira neta e as ações da avó diante da criança  “E não quero me gabar, mas estive reparando/no jeito que a Nina tem,/No jeito que a Nina olha,/ no jeito que ela se move [...]” (ZIRALDO, 2012, p.11).


Ao decorrer da narrativa Nina e sua avó se tornam confidentes, há uma admiração mutua, cumplicidade e amor “Menina nina amava vó Vivi, que amava sua menina” (ZIRALDO, 2012, p. 4). No entanto, a avó de Nina morre e a menina começa a questionar a vida, sem entender, sem aceitar que uma pessoa tão importante na sua vida vá embora sem ao menos dizer adeus, em uma linguagem simples e poética Ziraldo explica o que houve com a avó de Nina “Vovó dormia para sempre” (ZIRALDO, 2012, p. 27).

A partir desta revelação, a menina questiona a vida, pois amava sua avó, fazia planos de estar com ela e ser como ela, em um tom acusatório Nina tenta entender a partida prematura de um ente querido.
 “Vovó, você nunca disse que queria ir embora assim, sem dizer adeus. Não era isso, vovó, que estava combinado. Vovó, e suas promessas? Vovó, e nossas viagens? Vovó Vivi, e as farras que a gente ia fazer? E a nossa parceria? Vovó, e os meus segredos? Para onde você levou? E como é que eu vou crescer? Sem você me ver crescer? Como vou andar no mundo onde você não está? Vovó, eu não posso mais abraçar as suas pernas, não posso beijar seu rosto, não posso pegar sua mão... Vovó que coisa difícil, Vovó Vivi, que aflição! (ZIRALDO, 2012, p. 28)

                O narrador onisciente sente a necessidade consolar Nina É como se ele precisasse parar o enredo, entrar na história e acalentar o sofrimento daquela menina: “Nina, você vai ter de entender, tem gente que é deste jeito: não gosta de despedidas. Não chore, Nina, não chore. Ou melhor: chore bastante. A gente afoga nas lágrimas a dor que não entendemos” (ZIRALDO, 2012, p. 31). Depois deste trecho, há uma página em branco sem imagens e sem texto, como se fosse um minuto de silêncio, o tempo da personagem e o leitor refletirem sobre a partida da pessoa amada.
Então o narrador complementa; “MAS espere, Nina, espere, porque há duas razões para você não chorar” (ZIRALDO, 2012, p. 33).
Em seguida, ele expõe as duas razões para não chorar:
“Se muito além desse sono que vovó está dormindo não existe nada mais – como muita gente crê - não existe despertar, nem porto destino ou luz; se tudo acabou de vez - acabou, completamente - pode ter certeza, Nina, a vovó está em paz; não sabe nem saberá que está dormindo para sempre (ZIRALDO, 2012, p. 35).
“SE, porém, depois desse sono intenso Vovó Vivi despertar num outro mundo, feito de luz e de estrelas, veja, Nina, que barato!!! Que lindo virar um anjo. Que lindo voar no espaço” (ZIRALDO, 2012, p. 37).

Há muitos pontos importantes na narrativa, o primeiro é a poeticidade da prosa de Ziraldo, o segundo a relação entre imagem e texto, as ilustrações são imprescindíveis na construção da personagem, além de se tratar de uma obra de cunho biográfico, uma vez que, o autor relata de forma sensível a morte da esposa e a reação de sua neta mais velha. Em nenhum momento o autor fala a idade da avó, porém é perceptível que é uma mulher bem jovial, contrariando o estereótipo de avó que permeia o imaginário, isto torna a história de Nina ainda mais complexa, pois trata-se de uma morte inesperada, não é uma pessoa muito velha ou muito doente e sim, alguém cheia de planos para si e para sua neta.

Excelente obra!








Ilustrações: Alunos do 3º ano B.